quarta-feira, 14 de julho de 2010

Incertezas


Quando pensamos que com a idade madura nosso coração já sabe todos os fluxos do amor...pensamos e acreditamos. Melhor assim. Essa imunidade nos garante um alívio, como se tivéssemos livres de algo inevitável.
Quem me olha assim não sabe e pensa que já criei resistência às coisas que a vida oferece, tece a renda dos enganos...nada sei, nada aprendi.
Ainda tenho medo da morte, ou melhor, ainda tenho medo de viver outra vida que não seja essa que vivo a viver... partir como nave sem destino, rapidamente. Fico amedrontada com essa sensação de desprendimento, de rapto, de queda inevitável, interminável e vertical, como se fosse pássaro abatido quando ainda era preciso voar, voar..Tenho alguns apegos, que tolos, bordam o colorido da minha simples vida. São doçuras que meu coração precisa sentir, e isso para se ter é preciso amar demais a vida...coisas simples...madrugada com lua, sol no horizonte, a ponte do arco-íris, estrelas e beijos colhidos no céu da boca, vestido antigo e fotos igualmente antigas, canto de passarinho na janela anunciando que meu pai vive também fora da minha saudade.Outras coisas mais amadas ainda como reconhecer na neta o mesmo hálito doce do filho querido, os mesmos olhos amorosos que me olhavam no passado e me fazia menina a brincar no tapete, a mesma mão que acarinha desenhando golfinhos e conchas, violetas e prímulas entre meu ombro e o coração.O verdume dos olhos de minha mãe, a chuva que salpica o jardim num spray de esperança, o caminho de volta pra casa, que é sempre o melhor caminho. Quando pensamos que já sabemos tudo vem uma perturbadora vontade de saber mais, de criar atalhos entre o que foi e o que será, tudo porque um coração maduro é capaz de perdoar coisas que jamais poderíamos admitir, é capaz de retirar do peito todas as espadas e confiar na meiguice de um único olhar, é capaz de costurar feridas que nunca cicatrizaram para que não haja mais lembranças difíceis...um coração assim como meu, precisa ter mais espaço para tudo que foi lindo, por isso inevitavelmente depois de tantos anos não poderia guardar pedras em lugar de musgos azuis. Penso que tenho que resolver situações que pensei estarem resolvidas, penso que já é tempo de solucionar sonhos...ando tão frágil e estranha...mas ainda tenho minhas mãos atadas. Sinto ser necessário fazer alguma coisa para que meu coração se alivie e acredite que, cerquei palmo a palmo todas as incertezas, que revirei as terras das floreiras e plantei novamente margaridas para a próxima primavera, que ouvi as músicas que me põem saudades no peito com o fino propósito de testar o quanto sou ainda capaz de te querer, que pude aprender e reaprender a me reconstruir... que não estive aqui a olhar tudo como se fosse óbvio cada detalhe. Não! Eu quis viver... Oras, não me perturba tanto o barulho, como me perturba o silêncio. Esse silêncio que antecede os acontecimentos. Como ele é comprido e costura o meu peito com grossas linhas escuras. Como ele pesa e me sufoca. Mas eu estava dizendo que ainda tenho medo da morte...será?

2 comentários:

  1. por que teus poemas me fazem chorar????

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  2. Belíssimo texto, Lígia. Uma confissão - simples, direta. Cumprimento-a pela maestria com que consegue ir fundo e remexer no que precisa ser remexido.
    Abraço.

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